Apesar da chuva que caiu no
último domingo, as gentes da Póvoa da Atalaia saíram à rua para dar
continuidade a uma tradição cuja origem já se perdeu na memória mesmo das
gerações mais antigas da aldeia. A terra de Eugénio de Andrade celebra, no
terceiro domingo de Janeiro, a já célebre Festa das Papas, que, curiosamente,
coincidiu este ano coincidiu com o nascimento do poeta.
Reza a lenda que, em tempos
remotos, a região foi vítima de uma praga de gafanhotos. A população da Póvoa
da Atalaia, devota fervorosa de São Sebastião, tratou de fazer uma promessa ao
padroeiro para que poupasse a aldeia e protegesse as colheitas, constituídas
maioritariamente por cereais. Em troca, oferecer-lhe-iam papas de carolo e
coscoréis, feitos com o que resultasse das colheitas salvas. Conta-se também
que todas as terras vizinhas sucumbiram à terrível praga, mas que a Póvoa da
Atalaia foi poupada. Mais, os pequenos predadores foram morrer, por milagre, à
porta da capela de São Sebastião situada na aldeia. Só restou então aos seus
habitantes cumprirem a promessa, o que acontece ao terceiro domingo de Janeiro
desde que há memória, para a realização de festejos em honra de São Sebastião.
Assim, ano após ano, metade dos lares da Póvoa da Atalaia ficam encarregues de
elaborar doses industriais de papas de carolo. Um chafariz, no centro da
aldeia, divide os bairros que, alternadamente, se encarregam de preparar a
festa em grupos de 25 famílias.
Este ano, a tarefa coube a Maria
Gonçalves, que despendeu um total de 30 quilos de milho branco e outras 30
dúzias de ovos. Mas há todo um trabalho de fundo a levar a cabo, para além da
confecção das papas. «É preciso providenciar cestos para as levar em cortejo
até à Capela de São Sebastião e decorá-los com panos de linho bordados ou
debruados com rendas», explica a mordoma. Depois da missa, as 25 mordomas, com
os cestos à cabeça, desfilam em cortejo até à capela do padroeiro onde as papas
são benzidas e distribuídas por toda a população. Aí, são os homens que estão
de serviço. Envergando panos de linho bordados nos ombros e com a ajuda de
pequenos açafates, também decorados com linho, eles distribuem as papas,
cortadas em pedaços, pelos fiéis presentes. A devoção a São Sebastião é de tal
ordem que até existe quem leve as papas para casa, para as deitar aos animais,
com o intuito de «afastar maus-olhados, enfermidades e outras desgraças»,
garante Maria Gonçalves, lembrando que «sempre foi assim» que desde que nasceu.
Rosa Ramos
Jornal Interior
Bem hajam
Carlos Fernandes
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