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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A paisagem é tudo


O que é a paisagem?
A paisagem é tudo. É um diagnóstico de uma organização humana do
território. A paisagem não é natural. É construída com elementos naturais.
É do Homem, como uma casa. O Homem faz a paisagem com materiais
vivos e com solo duro. É uma construção artificial, baseada nas leis da
Natureza. Os seus elementos estão sujeitos à Lei da Vida. Portanto, há
uma dinâmica e lógica da paisagem, da parte essencial da paisagem. Não
podemos separar a paisagem e tratá-la como uma “coisa” para o turismo
ou como um valor apenas de cenário.
Com que olhos as pessoas da cidade vêem o mundo
rural?
O mundo urbano olha para o mundo rural de variadíssimas maneiras:
uns com saudades, porque se lembram da sua terra; outros como um
sítio óptimo para se passear e merendar e outros como algo que é 
miserável. São as três vistas urbanas. Aqueles que pensam que é miserável,
vieram da miséria, recentemente, para a cidade. Renegam as origens. Os
emigrantes fugiram porque se vivia muito mal nas aldeias. Foram-se
embora não com saudade, mas com inveja de cá não ser como lá. As
duas últimas gerações vêem a coisa de maneira totalmente diferente. Se
for ao Norte, a primeira geração de emigrantes tinha que mostrar que
não era miserável. As casas ostentavam luxo. Os filhos e os netos já não
querem aquela casa. Hoje, ou mora lá uma tia velha, a apodrecer de
reumático ou está fechada. Quando a segunda e a terceira geração
regressa, volta para recuperar as casas antigas da aldeia.
Numa entrevista à revista Visão (14 de Agosto de 2003)
referiu a existência de “uma política de desprestígio do
mundo rural” por parte do mundo urbano. Há uma
visão negativa do mundo rural por parte dos urbanos?
Não é uma visão das pessoas da cidade, é dos responsáveis. Senão não
víamos os disparates que vão aí pelas autarquias, em termos de
planeamento, com as fontes luminosas, os relvados à escocesa, etc. Estão
agora a começar a destruir Guimarães, destruíram Braga, destruíram
Vila Real, transformando toda a sua envolvência e intervenção rural em
espaços para construir desde moradias até blocos monstruosos.
Concretizando…
Os Governos, os responsáveis políticos, os economistas e a mentalidade
urbana, influenciada pelo poder, disseram que a agricultura estava
condenada no país, caso não se transformasse num sector de grandes
empresas agro-industriais e de monoculturas extensivas. Esta política
presidiu à florestação, para o fornecimento das empresas de celulose,
tendo o fim trágico a que assistimos este Verão e que, possivelmente, irá
repetir-se se não houver uma mudança de 360 graus do que se pensa
que é a agricultura e a ruralidade. As universidades viram na agricultura,
não uma cultura, mas uma economia. O que não quer dizer que uma
cultura não tenha que ter uma base económica. Não pode ser,
exclusivamente, uma economia. Tem que ter uma base cultural. Grande
parte da identidade do país e da sua independência resultam da identidade
cultural, tendo por factor fundamental a agricultura. A agricultura
condiciona totalmente, é a matriz da paisagem total, da paisagem global.
Gonçalo Ribeiro Telles
“A Paisagem é Tudo”
Gonçalo Ribeiro Telles, engenheiro agrónomo e arquitecto paisagista, ecologista desde a
primeira hora, Professor Catedrático, co-fundador do Partido Popular Monárquico e do
Movimento O Partido da Terra, mentor da política nacional de Ambiente e Ordenamento
do Território, Secretário de Estado do Ambiente, Ministro de Estado e da Qualidade de
Vida, deputado, alfacinha desassossegado e homem de bem e sapiência, é um marco
incontornável do universo semântico e físico da Paisagem tout court.
No atelier do mestre Ribeiro Telles, o Pessoas e Lugares recebeu uma lição sobre a
ausência de fronteiras entre a paisagem rural e a paisagem urbana...
A política florestal está a ser um desastre. Num país mediterrânico a
floresta faz parte do teatro agrícola e o teatro agrícola faz parte do teatro
da floresta. Agora dizem que vão manter uns corredores agrícolas por
causa dos incêndios. Mas com os corredores agrícolas, aparece população,
população que eles não querem lá, porque senão tem o problema das
escolas. Por que é que estão a despejar as escolas? Não há crianças. É
um círculo vicioso. É provocado pelo modelo económico, que não é um
modelo de desenvolvimento. Quando se fecha uma escola, a região é
mandada para o “galheiro”. Não tem gente, porque puseram lá uma
monocultura. A população não fica lá “a ver crescer o pau” que ainda
por cima não é deles.
Faz sentido optar por um modelo de “desenvolvimento”
em que mais de metade do país está despovoado?
Não faz sentido nenhum. O resultado está à vista. O mais grave é a falta
até de identidade cultural do país. Uma pessoa para poder ser patriota
tem que organizar-se em função do local onde nasceu, do local onde
vive, do cemitério, do futuro... Estragaram isso tudo. O indivíduo fica
ligado a uma empresa. Mais uma razão para as comunidades não serem
urbanas, mas sim territoriais. É terra, a “nossa terra”, ninguém diz o
“nosso urbano”. Isto é trágico.
Qual é o futuro da paisagem?
O futuro da paisagem está intimamente relacionado com o nosso futuro.
A paisagem não é um ordenamento, não é um bilhete postal ilustrado,
não é uma fonte de receita por si própria, representa a identidade cultural
do País e a natureza equilibrada de instalação da população. O futuro da
paisagem está comprometido pela agricultura, a floresta, o urbanismo,
por toda uma política que cria soluções temporárias de riqueza.
Continuamos a viver do quotidiano e com uma imagem errada do país.
Continuamos a viver do prestígio do carro, e agora que foi ultrapassado,
é o prestígio de ter um lareira. Ou seja, aumentaram-se as necessidades,
os valores que permitem a qualidade, mas não se aumentou a cultura. Eu
não vejo mundo rural e mundo urbano, eu vejo a situação gravíssima da
sociedade. Não temos uma sustentabilidade que nos garanta o futuro,
nem que nos garanta a independência. O que é mais grave! Porque sem
cultura, sem identidade cultural não há independência.
Entrevista de Luís Chaves (Minha Terra) e Maria do Rosário Aranha
Bem hajam 
Carlos Fernandes


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