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sábado, 26 de abril de 2014

Desertificação ou Despovoamento


DESERTIFICAÇÃO é um fantasma que ameaça o país e contra o qual já devíamos ter começado a lutar. A nível do planeta, o deserto tem vindo a avançar de Sul para Norte – e, a prazo, o Algarve e o Alentejo poderão estar transformados num mar de areia, prolongando o Sahara no continente europeu.
Em ambiente de crise, como o que vivemos, a atenção tende a concentrar-se no imediato, toda a energia é canalizada para ultrapassar os problemas mais urgentes. Tudo o que é estratégico fica para trás. E assim vamos comprometendo o futuro.
O papel dos partidos também devia ser este: identificar os grandes problemas nacionais, chamar a atenção para eles – e apontar caminhos para os resolver.
Mas os partidos vivem hoje demasiado ocupados com politiquices ou obcecados com o poder para terem tempo e disponibilidade mental para pensarem no futuro do país. Quem vier a seguir que feche a porta – é o lema da maior parte das pessoas que hoje estão na política. É raro vermos um partido abordar uma questão de fundo ou tratar de um assunto que não conste da chamada ‘agenda política’.
PARA combater o fantasma da desertificação do país seria preciso começar desde já a travar o despovoamento do interior – que constitui um gravíssimo problema nacional.
Sucede que de há muito tempo para cá – muito antes de a crise se anunciar – os Governos não mostram para essa questão a mínima sensibilidade.
O fecho das maternidades foi um exemplo eloquente.
Não está em causa a racionalidade ou irracionalidade da medida. Está em causa o ‘sinal’ que se deu: se o Governo encerra maternidades no interior está a dizer às pessoas que não vale a pena nascer aí. Está a dizer que o interior não tem futuro. Que é para abandonar.
ACRESCE que o encerramento de um serviço do Estado, qualquer que ele seja, arrasta consequências em cadeia.
As pessoas que lá trabalhavam perdem o emprego e tendem a emigrar, levando consigo as famílias. A redução da população faz com que certos estabelecimentos e fornecedores percam clientes e fiquem sem viabilidade. E, quanto mais gente emigra, mais vão sendo os serviços públicos que deixam de se justificar: escolas, repartições de finanças, tribunais, centros de saúde, etc., etc., etc.
É um ciclo vicioso: quando se fecham serviços, as populações emigram; quando a população diminui, fecham-se serviços.
Mas outras medidas de que se tem falado muito pouco ou nada também têm contribuído poderosamente para a desertificação do interior, como a desactivação de inúmeras unidades militares espalhadas pela província.
Os quartéis davam a muitas cidades do interior uma especial animação. Até porque a esmagadora maioria dos efectivos era constituída por rapazes muito jovens, na força da vida, vindos dos mais diversos pontos do país – contribuindo para um choque vital de idades e de hábitos que incentivava a dinâmica social. Era o soldado de Trás-os-Montes que ia fazer a recruta a Tavira, namorava com a empregada de uma família da terra e passava ao fim da tarde pelo café da praça principal a beber uma cerveja com os amigos.
Este fenómeno acabou – e muitas cidades e vilas ficaram mortas de um dia para o outro.
É verdade que novos pólos universitários compensaram nalguns lugares esta tendência; mas a diminuição da população universitária encarregar-se-á de repor o pessimismo.
PORTUGAL precisa urgentemente de um debate de ideias.
Um debate global, que faça o balanço do que se perdeu e ganhou nas últimas décadas e introduza temas novos, abra horizontes, e não ande sempre atrás dos mesmos temas – como os cães atrás da cauda.
E que não se fique pelas ideias gerais tão do agrado dos portugueses, que sempre adoraram dizer mal à mesa dos cafés – mas assim que saem porta fora vão à sua vidinha… que a morte é certa.
Quantas vezes já não ouvimos pessoas com responsabilidades dizerem: «É preciso discutir isto…»«É urgente debater aquilo…», mas elas próprias não adiantam nenhuma ideia para o debate nem propõem qualquer solução.
Nunca percebi esta atitude. Quem tem alguma a coisa a dizer sobre um assunto deve dizê-la – não precisa de propor um debate.
PROCURANDO não incorrer no mesmo pecado, aqui fica um conjunto de sugestões sobre o tema de fundo desta crónica, que certamente ajudariam a combater o despovoamento do território.
Primeira (porventura utópica mas que serve de emblema): a transferência da capital para o interior do país, com o aproveitamento de um núcleo urbano já existente ou a construção de raiz de uma cidade-modelo (a exemplo de Brasília ou Islamabad).
Segunda: a travagem imediata do encerramento de serviços públicos no interior (ou, quando isso não puder deixar de ser feito, a sua transferência para outro local também no interior).
Terceira: a construção de uma via rápida de Trás-os-Montes ao Algarve ligando as principais cidades do interior – Bragança, Guarda (com extensão a Viseu), Castelo Branco, Évora, Beja e Faro –, articulada com o TGV e o novo aeroporto.
Quarta: a criação de incentivos para profissionais liberais que queiram instalar-se na província – médicos, advogados, notários, arquitectos, etc. – ou empresários que aí queiram implantar indústrias, serviços ou complexos turísticos.
Quinta: a instalação de cursos qualificados e centros de investigação em zonas do interior.
Sexta: o paulatino regresso de certos serviços públicos a aglomerados do interior, acompanhando ou nalguns casos precedendo a fixação de pessoas.
Sétima: a recuperação do património histórico e arquitectónico, e sua divulgação, mobilizando associações locais e valorizando a oferta turística (neste campo, o Presidente da República tem vindo a dar uma boa ajuda).
PORTUGAL é uma estreita faixa de terra encostada ao Atlântico.
Não façamos essa faixa ainda mais estreita, com as pessoas a acotovelarem-se junto ao mar – o que trará problemas acrescidos ao nível da insegurança, desemprego, marginalidade, criminalidade, consumo de drogas, construção clandestina, etc.
É preciso repovoar o território e revalorizá-lo: isso é uma tarefa nacional.
Implica dinheiro?
Sem dúvida.
Mas sobretudo implica vontade.
E Portugal, na encruzilhada em que se encontra, precisa de grandes objectivos capazes de mobilizar as vontades e restituir aos portugueses o orgulho.
Bem hajam 
Carlos Fernandes



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