Lenda de Dornes
A vila de Dornes fica no concelho de
Ferreira do Zêzere. Apesar de existirem provas documentais de que até ao século
XV foi conhecida por Dornas, um velho manuscrito existente na Biblioteca
Nacional de Lisboa explica que a etimologia da povoação proveio da lenda que
vou contar.
Há muitos séculos atrás, as terras desta
região pertenciam à Rainha Santa Isabel, mulher de el-rei D. Dinis. Era feitor
da Rainha, na região, um cavaleiro chamado Guilherme de Pavia, ao qual
atribuíam proezas milagrosas.
Conta-se deste homem que, certa vez,
passou a pé enxuto o rio Zêzere, caminhando de uma margem para a outra sobre a
sua capa, que lançara sobre as águas.
Um dia, andava Guilherme de Pavia atrás de
um veado na banda de além do Zêzere, onde só havia brenhas e matos espessos,
quando ouviu uns gemidos muito dolorosos. Tentou saber de que sítio provinham
e, apesar de perder algumas horas nesta busca, nada conseguiu achar, pois os
gemidos pareciam provir dos mais diversos locais. No dia seguinte voltou ali e
de novo os gemidos se espalharam à sua volta, vindo agora de um tufo espesso de
mato, depois de um rochedo, numa ciranda sem fim. Guilherme de Pavia sofria
espantado, partilhando a dor daquele alguém que parecia fazer parte do
universo. Ao terceiro dia tudo se repetiu como antes.
Tomou, pois, a decisão de partir para
Coimbra onde estava a sua senhora, a fim de lhe relatar aqueles estranhos
factos. Assim que chegou à cidade dirigiu-se imediatamente à pousada real e
solicitou a sua visita a D. Isabel.
Esta, mal o viu, e depois das saudações
devidas, disse-lhe:
-Vindes por via dos gemidos, Guilherme?
-Não precisais espantar-vos! Três noites a fio sonhei com eles e sei do que se trata.
-O que é então, Senhora? Procurei por todo o lado e nada vi!...
- Bem sei. Deus contou-me tudo nos sonhos. Agora vais voltar ao local e procurar onde te vou dizer: aí acharás uma imagem santa de Nossa Senhora, com o Filho morto em seus braços.
-Assim farei, minha senhora Dona Isabel! Mas, e depois, que faço eu dessa imagem?
-Guardá-la-ás contigo até me veres chegar junto a ti!
-Vindes por via dos gemidos, Guilherme?
-Não precisais espantar-vos! Três noites a fio sonhei com eles e sei do que se trata.
-O que é então, Senhora? Procurei por todo o lado e nada vi!...
- Bem sei. Deus contou-me tudo nos sonhos. Agora vais voltar ao local e procurar onde te vou dizer: aí acharás uma imagem santa de Nossa Senhora, com o Filho morto em seus braços.
-Assim farei, minha senhora Dona Isabel! Mas, e depois, que faço eu dessa imagem?
-Guardá-la-ás contigo até me veres chegar junto a ti!
Despediu-se Guilherme de Pavia da Rainha
Santa, levando na memória a localização exacta da moita onde a imagem de Nossa
Senhora o aguardava gemendo, e partiu de Coimbra.
Já de volta a terras do Zêzere, o cavaleiro
dirigiu-se à serra de Vermelha, como lhe dissera D. Isabel, e foi
milagrosamente direito a determinada moita onde achou enrodilhada em urzes a
imagem da Virgem pranteando a morte de seu Filho.
Durante algum tempo manteve-a consigo, na
sua própria casa. Os gemidos haviam cessado e assim Guilherme de Pavia tinha a
Santa Imagem na sua câmara, com um archote aceso de cada lado.
Um dia, a Rainha Santa foi, finalmente, às
suas terras do Zêzere resolver o caso da imagem. Assim, junto a uma velha torre
pentagonal que já aí existia, mandou erigir uma ermida para a Virgem achada nas
moitas. E nessa torre - que provavelmente foi construída pelos Templários -,
ordenou que se instalassem os sinos da ermida.
Em breve o povo começou a construir casas
em redor da capela e da torre e, diz a lenda, a Rainha Santa deu a essa vila
nascente o nome de Vila das Dores, nome que com o tempo se teria corrompido até
dar Dornes.
É isto o que conta a lenda transcrita no
velho manuscrito.
A capela com a sua torre sineira ainda hoje
existem, e a imagem achada há muitos séculos atrás é venerada sob a designação
de Nossa Senhora do Pranto.
in Frazão, Fernanda. "Lendas
Portuguesas", vol. IV, pág. 75-79. Ed. Multilar. Lisboa: 1988
Bem hajam
Carlos Fernandes
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