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sábado, 28 de dezembro de 2013

A vila que deu ao grande mar Pedro Álvares Cabral

Belmonte - A vila que deu ao grande mar Pedro Álvares Cabral

A localização é soberba, nas faldas da grande Estrela. O rio Zêzere corre a seus pés. Belmonte, vila da Beira Interior, distrito de Castelo Branco, é berço de um grande homem do mar: Pedro Álvares Cabral. Aqui, a pacatez dos dias é principalmente interrompida pelos grupos de visitantes. Procuram a paisagem, o património e a história, parte dela entroncando na comunidade judaica.

Ana Clara | domingo, 29 de Julho de 2012

Belmonte, vila da Beira Interior com fundação no século XII (foral de S. Sancho I) tem, como a generalidade das terras portuguesas o lugar fulcral, aquele que magneticamente parece atrair o turista acabado de chegar. No caso desta localidade, que integra actualmente a Rede das Aldeias Históricas de Portugal, a Rua Pedro Álvares Cabral cumpre este papel de local de encontro.

Aqui situa-se a maior parte dos serviços da vila, como a Câmara Municipal, agências bancárias, e algumas lojas e cafés. Cenário diferente daquele que há quase seis séculos, em 1467, acolhia o nascimento daquele que, longe destes ares raianos lusos, ficaria para a história como o homem que descobriu o Brasil. Corria 1500 da Era de Cristo e Pedro Álvares Cabral aportava a terras de Vera Cruz.

Em homenagem à figura e à empresa, assim como a toda a saga marítima, Belmonte acolhe o Museu dos Descobrimentos, situado no antigo Solar dos Cabrais. 

Álvares Cabral habita neste século XXI as memórias e os lugares de Belmonte. O largo Dr. António José de Almeida homenageia em granito e bronze o navegador. Uma estátua que espicaça as palavras de Maria Teixeira. «A nossa terra é mais conhecida pelo Pedro Álvares Cabral». A belmontense posta-se à janela da sua casa térrea, na Rua 25 de Abril.

«Temos até um Museu dos Descobrimentos, sabia?», questiona Maria, dizendo que «são os turistas» que actualmente «trazem vida e animação à vila. Faz-nos muita falta trabalho, porque fecharam as principais fábricas que tínhamos», lamenta.

Aos 72 anos, Maria Teixeira resume o filme da sua vida, uma existência que classifica como tendo sido «de tormentas». Nascida e criada em Belmonte, aqui casou, tendo trabalhado «a vida inteira» na empresa de confecções Cilvet, que entretanto faliu, «e que deixou muita gente no desemprego», lembra Maria, em tom de tristeza.

Para compensar a ausência de oportunidades de trabalho, afirma que «apesar de os turistas chegarem à vila com a carteira cada vez mais vazia» ainda são eles «que vão entretendo os que por cá moram. Mas aqui as pessoas podem viajar nas memórias do tempo, temos imensos museus, o castelo e depois os judeus, que fazem parte também da terra», sublinha.

O castelo e a Igreja de São Tiago:
Prosseguimos caminho rumo ao castelo de Belmonte, construído por D. Sancho I no século XIII. Símbolo defensivo da Reconquista portuguesa, está também intimamente ligado aos Descobrimentos, já que foi residência da família de Pedro Álvares Cabral até aos finais do século XVII.

Actualmente o edifício tem funções turísticas e culturais. O castelo alberga um anfiteatro ao ar livre. Uma sala oitocentista foi transformada em espaço museológico dedicado à história do concelho e do castelo.

A fortaleza avulta acima da vila aproveitando um enorme afloramento granítico a mais de 600 metros de altura. Pedra talhada por mão humana assente sobre a rocha bruta, polida pelos elementos naturais. Passamos sob o arco de volta perfeita que separa o mundo extra muralhas do interior do castelo. 


Subimos à Torre de Menagem. O dia ventoso não nos dissuade a vista entre ameias. Ao longe, o vale por onde corre o rio Zêzere. Em torno, mais próximo, a paisagem assume tons de verde, com manchas de bosque. O mundo repousa num dossel de silêncio, apenas interrompido pelo sopro do vento. Com ele chegam-nos os sons distantes da actividade humana.

Ao percorrermos o castelo, são visíveis as várias transformações efectuadas na muralha oeste com a construção de várias janelas panorâmicas. Destaca-se uma janela de estilo manuelino, da primeira metade do século XVI. Perto do Castelo merece igualmente visita a capela de Santo António, mandada edificar pela mãe de Pedro Álvares Cabral, D. Isabel Gouveia, no século XV.

Prosseguimos caminho pelo património de Belmonte. Um percurso fácil. A vila, pequena, arrebanha em poucos quarteirões os testemunhos do seu passado. Ainda nas proximidades do castelo, impõe-se a Igreja de São Tiago e Panteão dos Cabrais, um monumento de traço românico que sofreu modificações ao longo dos tempos.

«O templo apresenta também alguns elementos góticos e maneiristas». A explicação chega-nos através das palavras da atarefada técnica camarária que dá apoio neste espaço. São muitos os turistas que entram e saem da Igreja. A técnica conta-nos que não há certezas sobre a data de construção deste templo, «tendo talvez sido construído em 1240».

No seu interior destaca-se, entre muitos elementos, uma Pietá, talhada numa única peça de granito da região. Também interessante, o altar-mor, decorado com frescos do século XVI, representando Nossa Senhora, São Tiago e São Pedro, «que muitos dizem ser uma representação de Pedro Álvares Cabral», explica a técnica.

Situada num dos caminhos portugueses de peregrinação a Santiago de Compostela, a Igreja de São Tiago seria também um local onde os peregrinos «encontravam um conforto espiritual no decurso da sua jornada».

Ligado à igreja está o Panteão dos Cabrais, construído em 1483. A renovação deste deve-se a Francisco Cabral, primeiro alcaide de Belmonte após a Restauração, tal como a ele se devem alguns túmulos renascentistas ali existentes datados de 1630, como explica o painel informativo à entrada do espaço.

A força da comunidade judaica:Na Rua da Fonte da Rosa implanta-se a sinagoga de Belmonte, símbolo que comprova a existência de uma comunidade judaica viva na vila. Em Belmonte, a comunidade judaica está referenciada desde o século XIII, testemunhada pelo achado de uma epígrafe e datada de 1297. A presença de judeus na vila não é um facto isolado no caso de Belmonte, tendo-se conhecimento da existência de outras judiarias nas cidades, vilas e aldeias da região.

Com a expulsão de judeus decretada por D. Manuel em 1496 e, posteriormente, com a instauração da Inquisição, muitos judeus abandonaram a vila. Os que ficaram professavam a sua religião em segredo.

Actualmente a comunidade judaica de Belmonte, que oficialmente existe desde 1988, tem uma sinagoga nova e um cemitério próprio. A sinagoga foi inaugurada em 1996, encontrando-se orientada para Jerusalém e tem o nome de Bet Heliahu, em homenagem ao judeu benemérito que ordenou a sua construção. «Acredita-se que é a última comunidade de origem cripto-judaica a sobreviver, enquanto tal, em toda a Europa», lê-se no documento informativo que nos disponibilizam na autarquia de Belmonte.

Daqui, rumamos à antiga Judiaria, estando organizada em torno das actuais rua Direita e Rua Fonte da Rosa. As estrelas de David nos portões, os castiçais na porta e no gradeamento identificam este templo judaico. No exterior, descobrem-se pormenores como as várias caleiras que sobressaem das paredes recolhendo a água da chuva para o Mikvé (tanque interior onde se tomam os banhos da purificação).
«Os judeus eram sobretudo artesãos e comerciantes pelo que nas suas casas, o piso inferior estava destinado à oficina ou à loja, apresentando este, na maioria dos casos, duas portas. Nas ombreiras destas alguns motivos cruciformes são ainda visíveis», esclarece Graça Ribeiro, proprietária da casa de turismo em espaço rural Passado de Pedra, em Caria, freguesia do concelho de Bel
monte, que nos acompanha na visita.
A vida por aqui «é calma», refere, sublinhando que «apenas os turistas vão dando cor a Belmonte». «Pode não acreditar, mas há dias em que são mais de seis e sete autocarros os que aqui chegam com turistas. É o que nos vale», refere, despedindo-se em seguida para ir «ver da panela do almoço» que tem ao lume.

De regresso ao ponto de origem, à Rua Pedro Álvares Cabral, atravessamos o Largo Afonso Costa, onde nos sentamos junto a um banco de jardim para descansar as pernas. Descobrimos mais um relato de outro português que marcou a história da vila. Junto ao banco, há uma lápide que homenageia o músico José Afonso, que viveu em Belmonte com a avó paterna e um tio.

Bem Hajam 
Carlos Fernandes

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