O que é a paisagem?
A paisagem é tudo. É um diagnóstico de uma organização
humana do
território. A paisagem não é natural. É construída com
elementos naturais.
É do Homem, como uma casa. O Homem faz a paisagem com
materiais
vivos e com solo duro. É uma construção artificial, baseada
nas leis da
Natureza. Os seus elementos estão sujeitos à Lei da Vida.
Portanto, há
uma dinâmica e lógica da paisagem, da parte essencial da
paisagem. Não
podemos separar a paisagem e tratá-la como uma “coisa” para
o turismo
ou como um valor apenas de cenário.
Com que olhos as pessoas da cidade vêem o mundo
rural?
O mundo urbano olha para o mundo rural de variadíssimas
maneiras:
uns com saudades, porque se lembram da sua terra; outros
como um
sítio óptimo para se passear e merendar e outros como algo
que é
miserável. São as três vistas urbanas. Aqueles que pensam
que é miserável,
vieram da miséria, recentemente, para a cidade. Renegam as
origens. Os
emigrantes fugiram porque se vivia muito mal nas aldeias.
Foram-se
embora não com saudade, mas com inveja de cá não ser como
lá. As
duas últimas gerações vêem a coisa de maneira totalmente
diferente. Se
for ao Norte, a primeira geração de emigrantes tinha que
mostrar que
não era miserável. As casas ostentavam luxo. Os filhos e os
netos já não
querem aquela casa. Hoje, ou mora lá uma tia velha, a
apodrecer de
reumático ou está fechada. Quando a segunda e a terceira
geração
regressa, volta para recuperar as casas antigas da aldeia.
Numa entrevista à revista Visão (14 de Agosto de 2003)
referiu a existência de “uma política de desprestígio do
mundo rural” por parte do mundo urbano. Há uma
visão negativa do mundo rural por parte dos urbanos?
Não é uma visão das pessoas da cidade, é dos responsáveis.
Senão não
víamos os disparates que vão aí pelas autarquias, em termos
de
planeamento, com as fontes luminosas, os relvados à
escocesa, etc. Estão
agora a começar a destruir Guimarães, destruíram Braga,
destruíram
Vila Real, transformando toda a sua envolvência e
intervenção rural em
espaços para construir desde moradias até blocos
monstruosos.
Concretizando…
Os Governos, os responsáveis políticos, os economistas e a
mentalidade
urbana, influenciada pelo poder, disseram que a agricultura
estava
condenada no país, caso não se transformasse num sector de
grandes
empresas agro-industriais e de monoculturas extensivas. Esta
política
presidiu à florestação, para o fornecimento das empresas de
celulose,
tendo o fim trágico a que assistimos este Verão e que,
possivelmente, irá
repetir-se se não houver uma mudança de 360 graus do que se
pensa
que é a agricultura e a ruralidade. As universidades viram
na agricultura,
não uma cultura, mas uma economia. O que não quer dizer que
uma
cultura não tenha que ter uma base económica. Não pode ser,
exclusivamente, uma economia. Tem que ter uma base cultural.
Grande
parte da identidade do país e da sua independência resultam
da identidade
cultural, tendo por factor fundamental a agricultura. A
agricultura
condiciona totalmente, é a matriz da paisagem total, da
paisagem global.
Gonçalo Ribeiro Telles
“A Paisagem é Tudo”
Gonçalo Ribeiro Telles, engenheiro agrónomo e arquitecto
paisagista, ecologista desde a
primeira hora, Professor Catedrático, co-fundador do Partido
Popular Monárquico e do
Movimento O Partido da Terra, mentor da política nacional de
Ambiente e Ordenamento
do Território, Secretário de Estado do Ambiente, Ministro de
Estado e da Qualidade de
Vida, deputado, alfacinha desassossegado e homem de bem e
sapiência, é um marco
incontornável do universo semântico e físico da Paisagem
tout court.
No atelier do mestre Ribeiro Telles, o Pessoas e Lugares
recebeu uma lição sobre a
ausência de fronteiras entre a paisagem rural e a paisagem
urbana...
A política florestal está a ser um desastre. Num país
mediterrânico a
floresta faz parte do teatro agrícola e o teatro agrícola
faz parte do teatro
da floresta. Agora dizem que vão manter uns corredores
agrícolas por
causa dos incêndios. Mas com os corredores agrícolas,
aparece população,
população que eles não querem lá, porque senão tem o
problema das
escolas. Por que é que estão a despejar as escolas? Não há
crianças. É
um círculo vicioso. É provocado pelo modelo económico, que
não é um
modelo de desenvolvimento. Quando se fecha uma escola, a
região é
mandada para o “galheiro”. Não tem gente, porque puseram lá
uma
monocultura. A população não fica lá “a ver crescer o pau”
que ainda
por cima não é deles.
Faz sentido optar por um modelo de “desenvolvimento”
em que mais de metade do país está despovoado?
Não faz sentido nenhum. O resultado está à vista. O mais
grave é a falta
até de identidade cultural do país. Uma pessoa para poder
ser patriota
tem que organizar-se em função do local onde nasceu, do
local onde
vive, do cemitério, do futuro... Estragaram isso tudo. O
indivíduo fica
ligado a uma empresa. Mais uma razão para as comunidades não
serem
urbanas, mas sim territoriais. É terra, a “nossa terra”,
ninguém diz o
“nosso urbano”. Isto é trágico.
Qual é o futuro da paisagem?
O futuro da paisagem está intimamente relacionado com o
nosso futuro.
A paisagem não é um ordenamento, não é um bilhete postal
ilustrado,
não é uma fonte de receita por si própria, representa a
identidade cultural
do País e a natureza equilibrada de instalação da população.
O futuro da
paisagem está comprometido pela agricultura, a floresta, o
urbanismo,
por toda uma política que cria soluções temporárias de
riqueza.
Continuamos a viver do quotidiano e com uma imagem errada do
país.
Continuamos a viver do prestígio do carro, e agora que foi
ultrapassado,
é o prestígio de ter um lareira. Ou seja, aumentaram-se as
necessidades,
os valores que permitem a qualidade, mas não se aumentou a
cultura. Eu
não vejo mundo rural e mundo urbano, eu vejo a situação
gravíssima da
sociedade. Não temos uma sustentabilidade que nos garanta o
futuro,
nem que nos garanta a independência. O que é mais grave!
Porque sem
cultura, sem identidade cultural não há independência.
Entrevista de Luís Chaves (Minha Terra) e Maria do Rosário
Aranha
Bem hajam
Carlos Fernandes
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